Nenê em ação: dez temporadas nos EUA (Getty Images)
O olho comprido apontava em direção ao tênis bacana, ao carrão que
parecia tão longe do alcance de suas mãos. A realidade passava longe do
luxo para aquele menino de São Carlos, que todos os dias pegava o 473
para ir treinar no Vasco. Naquele time de estrelas comandado por Hélio
Rubens, Nenê começou, aos pouquinhos, a mostrar seu valor. Tinha fome
de bola, mas pressa também. Resolveu então fazer as malas, partir para
os Estados Unidos e tentar a sorte na NBA. Deu de ombros para todos os
que disseram que não conseguiria entrar. A fé no sonho era maior. Em
2012, completa sua décima temporada na liga profissional americana
feliz com o reconhecimento, e ainda querendo jogar outras cinco.
Aos 29 anos, o pivô do Denver Nuggets já tinha tudo o que um dia
cobiçou. Nesse período, caiu, se levantou, venceu um câncer no
testículo, se casou, ganhou alguns fios de cabelos brancos que são
prontamente arrancados, mas ainda faltava algo. Faltava o filho, que
ele não sabia se poderia ter nos braços depois da doença. Há 7 meses,
Mateus alegra a casa da família Hilário e é chamado pelo pai de
presente de Deus. Para poder vê-lo nascer e também por questões
contratuais, Nenê decidiu pedir dispensa da seleção brasileira, que foi
a Mar del Plata brigar pela classificação olímpica. Acompanhou os
jogos, se emocionou com o fim do longo jejum de 15 anos, ouviu e leu as
críticas sobre sua ausência, e achou melhor se calar.
Lá atrás, nos tempos de São Januário, a timidez e o medo de falar o
português errado faziam Nenê evitar as entrevistas. Alguns anos depois,
passou a se posicionar mais, tendo Romário com inspiração. Aprendeu que
ousadia dentro e fora de quadra tem um preço. Por isso, passou a ser
amado por uns e nem tanto assim por outros. E dessa maneira, segue em
frente, mesmo admitindo ter ficado chateado algumas vezes com o
julgamento das pessoas. Em entrevista ao GLOBOESPORTE.COM, disse que
ainda tem um velho sonho a ser realizado: quer defender o Brasil nos
Jogos de Londres, a partir de julho. Vem tratando a fascite plantar e a
lesão na panturrilha
para poder voltar a jogar bem, como antes da parada, e esperar pela decisão de Rubén Magnano.
- Disputar as Olimpíadas é um sonho, sim!
Todos falavam que eu não ia conseguir. Mas eu sou assim... se falarem
que eu não vou conseguir alguma coisa, aí é que vou atrás. É uma
virtude que Deus me deu, essa ousadia"
Nenê
GLOBOESPORTE.COM: Há dez anos você deixava o Brasil atrás
do sonho de jogar na NBA. Como foi chegar a um país novo, como um
jogador desconhecido? Que lembranças, boas e ruins, você tem quando
olha para trás?
Nenê: Eu entendo que as
coisas boas vêm. Como cristão sei que as ruins são para fortalecer,
para fazer a gente crescer. Nesse tempo, aconteceram muitas lesões,
inveja, críticas, e isso tudo me fortaleceu e deu experiência. Se não
passasse por isso eu não teria hoje como aconselhar outras pessoas a
sobreviver a tudo. Acho que depois dessas temporadas, eu faria tudo de
novo. Talvez não passasse por coisas que passei. Achei que fui uma
marionete por não saber a língua ou me locomover. E várias pessoas
tiraram proveito, perdi muitas coisas, perdi dinheiro... Mas da
experiência negativa tirei coisas positivas e passei a abrir mais os
olhos. Se não fosse pela fé poderia ter cometido coisas mais sérias.
Tive que me estruturar espiritualmente e hoje estou firme e forte. As
coisas para mim sempre foram muito difíceis.
Naquela época você imaginou que poderia chegar a ser um pivô respeitado e cobiçado como é hoje?
Lembro muito bem que meu pastor e amigo, nos tempos de Vasco, disse que
eu ia ser um grande jogador tendo fé naquilo que não se vê. Fui com fé
e com coragem, sem esperar que ninguém acreditasse em mim. Era uma
promessa grande para um menino de 17, 18 anos se imaginar na NBA e
conquistar espaço e respeito. Tomei a decisão de vir para os EUA e
tentar. Todos falavam que eu não ia conseguir. Mas eu sou assim... se
falarem que eu não vou conseguir alguma coisa, aí é que vou atrás. É
uma virtude que Deus me deu, essa ousadia. Ele gosta de pessoas de
coragem. Tenho fraquezas também, mas Ele me escolheu para isso.
O calouro Nenê na temporada 2002/2003, marcandoTim Duncan: espelho (Foto: Getty Images)
O que mudou no seu jogo durante esse período?
Até hoje sinto nervosismo. Se não sentir isso não me preparo. Escuto
música gospel e fico pensando o que vou fazer em quadra. Dentro dela, o
meu sorriso fecha e fico que nem um robô. Já joguei com emoção durante
muitos anos, hoje sou mais estável, mais frio. Que nem o Tim Duncan. Me
espelho nele. É um dos melhores da liga e joga centrado. Ele é o cara.
Sempre gostei dele e tive oportunidade de conversar em quadra. Sou um
cara que observa muito em quadra e tento extrair algo daquelas pessoas.
Na minha carreira, aprendi a fazer troca de mãos, gancho e enterrada
vendo o Vargas. Com o Sandrão (Sandro Varejão) aprendi a pegar a bola e
chutar de um espaçozinho pequeno. Mingão era chato e atrevido. Com
Duncan, o posicionamento dos pés. Do Juwan Howard tirei o porte físico
e o modo de pensar e ler o jogo. O arremesso é meu mesmo (risos).
Em 2010, durante a preparação para o Mundial, você disse
que faz o possível para não esquecer suas raízes. Que lembra do ônibus
que pegava, dos ex-jogadores do Vasco...
Eu costumo zoar o
Alex (ex-jogador do Vasco e seu braço direito nos EUA). Todo mundo
tinha o sonho de ir para a América, e hoje temos uma boa condição de
vida, filhos e mulheres americanas. Mas lembro sempre do ônibus que eu
pegava todos os dias para treinar. Aquele 473 tem muita história. E
Alex ia comigo às vezes. Eu ia para o treino com a bolsinha do Vasco,
um MP3 pequeno, boné e bermuda. E os caras indo de carrão. Era uma
viagem de 45 minutos onde eu via as coisas belas do Rio e também as
favelas. Foi uma lição que vale até hoje. Acho que se você sabe se
manter humilde, não tem como nada vir a corromper a pessoa.
Olha, eu sou fã do Romário... porque ele é uma pessoa que não deve nada
a ninguém e fala mesmo. A minha reação foi ficar quieto. As pessoas que
me conhecem sabem que sou muito profissional e que tudo o que faço é
consciente."
Nenê
Você nasceu em uma família humilde, teve uma infância
difícil. Hoje vive do basquete, ganha milhões por temporada e é pai.
Como tem sido essa nova experiência na sua vida e que lições pretende
ensinar ao seu filho Mateus?
Humildade. Com humildade a
hora vem, o sucesso vem, a riqueza vem, o reconhecimento vem. Vou
ensinar que tudo tem um preço e exige sacrifício. Nada vem de graça e é
preciso lutar. Vou contar a história da vida real, de que o pai
trabalhou muito forte. De que é preciso ter os pés no chão, ter
humildade e fé sempre.
Em algum momento, quando recebeu a notícia de que estava
com câncer no testiculo, temeu que não pudesse formar uma família ao
lado de Lauren?
Sim. Mas sabia que Deus ia me usar de uma
forma, só não sabia como. Passei por um câncer, voltei a jogar após
quatro meses e fui aplaudido de pé por mais de 20 mil pessoas no
primeiro jogo. Não vou esquecer disso nunca. Depois de passar por tudo,
várias pessoas venceram a doença vendo o meu exemplo. Teve um menino de
4 anos, lourinho de olhos azuis, que teve três tipos de câncer e um
deles era na cabeça. Quase morreu na quimioterapia, mas eu falei com
ele antes: "Coma feijão, vegetais e beba muito leite". Ele estava sem
fome quando fez a quimioterapia e pediu à mãe para me ver. E ele
venceu. Carrego a foto dele no meu celular. Teve um outro, de 25 anos,
que teve quatro. E eu disse que queria vê-lo de cabelo longo de novo.
Para eles eu sou uma milagre vivo, que superou as adversidades e sem
saber virei exemplo. Foi muito difícil. Eu soube que o resultado do meu
exame tinha dado positivo quando estava dando uma clínica para
crianças. Desliguei o telefone e segui o que estava fazendo até o fim.
Mas depois fiquei desesperado. Eu chorava, achava que tinha tanta gente
ruim no mundo e por que logo eu tinha sido que passar por aquilo? Eu
não tinha certeza de nada, mas depois entendi que grandes bênçãos vêm
com grandes lutas. Em toda a minha vida tudo teve seu tempo, de acordo
com a vontade do Senhor.
A proximidade do nascimento do seu filho foi o motivo que o fez pedir dispensa da disputa da Copa América de Mar del Plata?
Claro! A coisa mais importante naquele momento era meu filho. Sou uma
pessoa de princípios, e meu primeiro filho era uma coisa que eu poderia
não ter tido (por causa do câncer). As pessoas às vezes não entendem,
mas eu queria ver aquele presente nascer e crescer. E eu também ia ser
agente livre, tinha um problema contratual, não ia ter quem cobrisse o
seguro.
Nenê treinou para o Mundial-2010, mas foi cortado
devido a uma lesão (Foto: Alexandre Vidal / CBB)
Você mais uma vez foi alvo de críticas da torcida, de
jogadores e até de dirigentes por não ter ido a uma competição com a
seleção (em algumas vezes por causa de lesão e em outras por alegar
problemas particulares ou com antiga gestão da CBB). Como tem sido
lidar com essa situação?
Olha, eu sou fã do Romário...
porque ele é uma pessoa que não deve nada a ninguém e fala mesmo. A
minha reação foi ficar quieto. As pessoas que me conhecem sabem que sou
muito profissional e que tudo o que faço é consciente. Não tem como
você jogar um campeonato com lesões, problemas familiares e
contratuais. Claro que fico chateado por ver muita gente falando do que
não sabe. Mas todo mundo um dia passa por isso...
Você acompanhou a campanha da seleção que colocou fim ao
longo jejum olímpico? Como reagiu ao ver que sua geração conseguiu
recolocar o Brasil nos Jogos?
Eu estava nas montanhas com
a minha esposa, assistindo ao jogo da classificação no hotel. Estava
tendo um casamento lá embaixo e eu vendo no computador. Quando
conseguimos a vaga me deu uma emoção por dentro porque por todos esses
anos nós jogadores queríamos muito isso. E conseguimos. Eu não estava
lá, mas me emocionei. Espero que as pessoas comecem a se juntar para
melhorar o basquete no Brasil. Não adianta ir a uma edição de
Olimpíadas e continuar o conflito, a inveja. É preciso aproveitar o
momento para fazer o basquete crescer no país.
Disputar as Olimpíadas ainda faz parte dos seus sonhos? Acredita que terá chances de integrar esse grupo?
Com certeza é um sonho representar meu país. Mas não adianta eu
representar um país nas Olimpíadas ou no torneio que for se não estiver
saudável e forte. Você tem que estar feliz e protegido. Se eu vou estar
no grupo, não posso responder, porque não sou eu que escolho. O que sei
é que o Rubén Magnano é uma pessoa de caráter, íntegra e que sabe
separar emocional e as coisas que tem que ser feitas. Disputar as
Olimpíadas é um sonho, sim.
Nenê teve um bom início de temporada, mas foi
freado por lesões (Foto: AP)
O que você ainda carrega daquele Nenê de 10 anos atrás? Como e onde imagina estar daqui a mais 10?
Ah, eu estou com cabelo branco, cheio deles na barba. Arranco todos
(risos). Mas continuo sendo um negão tipo A: bonito e sangue bom. Se eu
não me valorizar, quem vai? (brinca). O que eu quero é ser a mesma
pessoa de sempre. Não sei o que vou estar fazendo daqui a 10 anos.
Talvez cuidando dos negócios em que investi. Vou querer estar no meio
do esporte e louvando a Deus. Não, não como pastor porque cada um tem
um dom, um chamado. No meu caso, Deus colocou o basquete no meu caminho
e determinou que tudo o que eu passasse mudaria a vida das pessoas. No
futuro, irei falar dos feitos, mas não virando um pastor. Mas eu gosto
de música, toco contrabaixo e posso louvar assim. Mas fazer isso
cantando, vou ter que melhorar um pouquinho a voz (risos).
Sonha que seu filho se torne um jogador de basquete quando crescer ou de futebol, como você tentou ser um dia?
Aqui eu acho que ele vai ser jogador de beisebol. Ele é forte e vai
mandar as bolinhas para as nuvens (risos). O que eu quero mesmo é que
ele seja feliz e que tenha integridade.
E aí, o que acharam da entrevista? Acha que o Nene deve ser convocado para reforçar a seleção ou vale a pena ir para os Jogos Olimpicos com um time mais fraco? Deixe seus recados nos comentarios.